quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A "massa" feliz (ou a crônica da hipocrisia)

Texto escrito pelo estudante Thiago Vieira, do quarto período de Jornalismo da UFS. Segundo o mesmo, é uma opinião de "quem acompanha a ocupação de fora". Crônica baseada numa frase que ouviu de um tal "Caravanista" falando sobre a atual gestão do DCE: "a massa está feliz".

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Peguei aquele ônibus das dez. Vazio. Tanto que deu para me sentar e vir refletindo sobre bobagens que não cabem aqui. Seguia o caminho da minha utópica Universidade que cresce enraivecida sobre planos, projetos, ganância e dinheiro. Dinheiro? Só para as obras que eles ousam edificar seus suntuosos prédios sobre pilares da degradação e do sucateamento. Onde sobram concreto, vergalhões e telhas, faltam corações, sangue e idéias.

Desço do ônibus, seguindo pela catraca do terminal, quando quase que tomo um soco no meio da cara. Um alerta daqueles que, mesmo condicionados a olhar para imenso outdoor que exalta a “Expansão Divina” criam um humilde e, porque não dizer, malfeito cartaz a lápis de cera e hidrocor com os seguintes dizeres: “Ocupe a Reitoria que há dentro de você!”. Ainda em nocaute, fico ali, parado, enquanto outros apressados com suas vidas estudantis sequer notam para o pobre cartaz. Oras, quem ligaria para ele, ou para aquela frase escrita por um bando de baderneiros quaisquer que ocuparam meia dúzia de salas na Reitoria.

O que é que isso tem a ver com a vida de todos aqueles engomadinhos que só querem tomar um suquinho de mangaba num trailer qualquer, assistir suas aulas, rezando para que chegue uma hora e ele possa voltar para casa e comer a comidinha da mamãe assistindo uma reportagem sobre a reprodução dos ursos pandas na China em pleno Jornal Hoje. Como um rebanho de desavisados eles entram e saem da universidade sem se dar conta das mudanças, sutis, porém constantes que ela passa. E não, não me refiro as obras ou qualquer expansãozinha qualquer. Refiro-me a luta daqueles que vão de contra a maré. Que dão a sua cara a tapa e se esforçam para estar ali, lutando, por algo que sequer é para eles, mas que é para o bem do próximo. De pessoas como eu, você, ou aqueles mesmos engomadinhos já supracitados, exceto pela verdadeira palhaçada que a Universidade faz com eles.

Imagine só, você sai de sua casa, no interior ou em outro estado e se presta a um teste que avalia a sua renda familiar para receber um verdadeiro “atestado de miserabilidade” para então poder estudar com a promessa de que a universidade lhe dará um suporte mínimo para que você consiga se instalar e manter seus estudos. Pois é, essa é a vida dos residentes. Ela seria tão boa quanto a minha e sua, se esse “suporte mínimo” não beirasse o ridículo. Com uma renda inferior a 500 reais cerca de nove pessoas são obrigadas a se virar e sobreviver numa mesma casa (que nem vou comentar o estado.) e pagar aluguel, água, luz e material de limpeza. Acha que consegue? Nem eles. O fato é que a essa situação caótica chegou a um ponto que eles não puderam mais agüentar. Arrebentou-se a corda da hipocrisia e os estudantes resolveram protestar.

Você deve estar pensando: “Mas que alunos malcriados, só sabem ocupar, ocupar, ocupar, porque não tentaram conversar antes?” — Ok, vamos lá... Quem em sã consciência chegaria ao extremo de ocupar algum lugar, de dormir em péssimas condições para protestar por algo se os demais meios não fossem tentados e a própria necessidade não fosse extrema?

Particularmente não sei o que é pior, se é toda essa utopia que a universidade vivencia a necessidade que os meus companheiros residentes passam ou se é o descaso daqueles que chegam até nós para abrir a boca e dizer que “a massa está feliz”... Felizes estão os hipócritas, que vivem suas vidinhas enquanto os demais sofrem. Felizes estão aqueles que são incapazes de enxergar a realidade diante de seus olhos e felizes somos nós que mesmo com tudo e todos contra resistimos juntos por acreditarmos que poderemos mudar, um dia, a hipocrisia.

Thiago Vieira,

4º período Jornalismo — UFS.

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